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CASO MARIANA FERRER: Entenda o porque a justiça decidiu absolver o acusado

A notícia da sentença absolvendo o empresário André de Camargo Aranha da denúncia pela prática de suposto estupro de vulnerável contra uma influenciadora digital em um Beach Club de Jurerê Internacional, crime que teria ocorrido em dezembro de 2018, repercutiu nacionalmente e provocou centenas de milhares de manifestações nas redes sociais desde a última quarta-feira (9), quando foi divulgada.

A quase totalidade dos comentários e postagens é de críticas, insultos, ameaças e ofensas ao magistrado que proferiu a sentença e também à Justiça, por pessoas defendendo de forma categórica haver provas suficientes para a condenação pelo crime, que prevê pena de oito a 15 anos de reclusão.

Apesar de processos envolvendo crimes contra a dignidade sexual serem protegidos pelo segredo de justiça, a suposta vítima divulgou praticamente toda a marcha processual em suas redes sociais. A cada nova publicação, “marcava” amigos, celebridades e sub-celebridades, dando cada vez mais visibilidade à sua versão dos fatos. A revelação de detalhes do processo, como fotos de roupas íntimas e trechos de depoimentos, além da pressão por “justiça”, levou inclusive à suspensão de sua conta no Instagram por ordem judicial.

No tribunal da internet, no entanto, muito pouco se lê sobre as razões que levaram o promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, representante do órgão acusador, o Ministério Público do Estado (MPSC), a se manifestar pela improcedência da denúncia e pela absolvição do empresário, acompanhando a tese de completa ausência de provas sustentada pela defesa desde o início da ação penal.

Denúncia

Apresentada no dia 31 de julho de 2019 pelo MPSC, a denúncia relata que “no dia 15 de dezembro de 2018, entre as 22h25min e 22h31min, o denunciado manteve conjunção carnal com a vítima, que não possuía condições de oferecer resistência ao ato, haja vista que teria ingerido substância involuntariamente, a qual viabilizou a ocorrência do crime, a vítima apenas se conscientizou dos fatos em sua residência, onde constatou a presença de sangue e sêmen em sua roupa íntima”.

Como para a configuração do crime de estupro de vulnerável de mulher maior de 14 anos de idade, que é definido no art. 217-A, §1º, do Código Penal, é necessário que a vítima, por qualquer motivo, “não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida do agente criminoso, bem como haja dolo (intenção) na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade que acomete a vítima”, o processo caminhou no sentido da busca de elementos de provas do alegado estado de vulnerabilidade, que teria possibilitado a violência sexual, conforme relatado pela vítima e reproduzido na denúncia.

Exames

A sentença reconhece que “há provas da materialidade e da autoria, pois o laudo pericial confirmou a prática de conjunção carnal e ruptura himenal recente”.

Contudo, registra o magistrado, “pela prova pericial e oral produzida considero que não ficou suficientemente comprovado que XXXXX estivesse alcoolizada – ou sob efeito de substância ilícita – , a ponto de ser considerada vulnerável, de modo que não pudesse se opor a ação de André de Camargo Aranha ou oferecer resistência”.

O juiz faz essa afirmação embasado nos exames de alcoolemia e toxicológico realizados menos de 24 horas depois do episódio, que apresentaram resultados negativos:

“Postura firme, marcha normal”

“Ademais, além do resultado negativo dos laudos periciais, tirando o relato da mãe da vítima, o relato das demais testemunhas vão de encontro aos atos articulados na peça acusatória e, principalmente, frente à versão apresentada
pela vítima”, prossegue o magistrado.

Além dos laudos e dos depoimentos, outros elementos apresentados pela defesa do empresário, comandada pelo advogado criminalista Cláudio Gastão da Rosa Filho, contribuíram para que o MPSC se manifestasse pela absolvição e reforçaram a dúvida no magistrado sobre a efetiva configuração de crime. Entre esse elementos estão imagens de câmeras de segurança e perícias realizadas em telefones celulares.

Câmeras do interior do beach club mostram a influenciadora digital, após a alegada violação, descendo a íngreme escada que dá acesso ao camarote número 403, onde ficou com o empresário menos de seis minutos. Ela aparece com os cabelos arrumados e as vestes alinhadas e passa por um segurança que estava à porta. Na sequencia, vai até o caixa, paga sua comanda e sai do estabelecimento, se dirigindo a outra casa noturna vizinha.

Durante todo o percurso, de cerca de 300 metros, “mantém uma postura firme, marcha normal, com excelente resposta psicomotora, cabelos e roupas alinhadas e, inclusive, mesmo calçando salto alto, consegue utilizar o aparelho telefônico durante o percurso”, descreve o magistrado na sentença, após ver as imagens.

“Controle motor”

Nas conversas por WhatsApp, chega, inclusive, a corrigir erros de digitação em mensagens enviadas a amigas, de acordo com informações dos autos.

“Com base nas imagens percebe-se claramente que a ofendida possui controle motor, não apresenta distúrbio de marcha, característico de pessoas com a capacidade motora alterada pela ingestão de bebida alcoólica ou de substâncias químicas”, afirma o juiz.

Além disso, em nenhum momento durante o espaço de tempo compreendido no percurso entre as casas noturnas a suposta vítima procurou ajuda de seguranças privados, de transeuntes ou da polícia, que poderia inclusive ter sido acionada por telefone imediatamente após o alegado crime, pondera argumentação da defesa.

Ou seja, no processo a justiça entendeu que, de fato, houve a ruptura himenal da jovem, mas que não há provas de que isso tenha sido resultado de um ato de violência e muito menos do alegado estado de vulnerabilidade ante a intoxicação por alguma substância colocada em sua bebida ou comida.

Improcedência total da denúncia

Foi todo esse conjunto de fatores que levou o promotor de Justiça a pleitear a improcedência total da denúncia, requerendo a absolvição do acusado pela prática do crime de estupro de vulnerável, ao argumento de que não há provas suficientes da materialidade do delito.

Na sentença, o juiz Rudson Marcos registra que “não há qualquer possibilidade de o juiz condenar quando o representante do Ministério Público requer a absolvição. Proceder dessa forma seria uma fraude ao sistema acusatório, inclusive, frente à positivação recente de tal sistema em nosso ordenamento jurídico (art. 3º-A, do CPP).”

O magistrado reconhece que em crimes dessa natureza a palavra da vítima “reveste-se de substancial importância”, mas destaca que “a valoração do relato há de se partir do cotejo de outros elementos constantes nos autos e hábeis a fundamentar uma condenação criminal”, o que não teria sido alcançado no caso concreto.

Escreve o juiz:
[…]
Portanto, como as provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente’. A absolvição, portanto, é a decisão mais acertada no caso em análise, em respeito ao princípio na dúvida, em favor do réu (in dubio pro reo), com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Pedido de prisão

Desde o início da ação penal, André de Camargo Aranha foi alvo de mandado de prisão temporária, apreensão de passaporte e medidas restritivas. O mandado, que não chegou a ser cumprido, foi requerido pelo Ministério Público a pedido da Polícia Civil e posteriormente revogado por uma das Câmaras Criminais do TJSC.

Prerrogativas da magistratura

Os ataques ao juiz (e à Justiça) nas redes sociais foram rebatidos por sua entidade de classe, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC).

Em nota assinada pela presidente, juíza Jussara Schittler dos Santos Wandscheer, a Associação destaca que a sentença foi “amplamente fundamentada pelo magistrado”, e lembra que “eventual descontentamento com decisão judicial deve ser apresentado na forma legal, por meio dos recursos cabíveis que estão à disposição da vítima e de seus representantes legais”.

Sobre as agressões virtuais, a AMC alerta que “serão devidamente apuradas e seus autores, responsabilizados nos termos da lei”, em nome da defesa das prerrogativas da magistratura, “dentre as quais a independência de todas as juízas e juízes para julgar com a autonomia necessária para interpretarem a lei e as provas de cada processo”.

“Estarrecedor e triste”

“É estarrecedor, e também muito triste, ver tantas pessoas criticando e ofendendo o magistrado por sua sentença absolutamente fundamentada sem jamais terem lido sequer uma das mais de três mil páginas do processo. O doutor Rudson é um magistrado que dignifica e honra a magistratura catarinense e brasileira, não merecia de forma alguma esse criminoso e injusto linchamento virtual”, afirma o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho.

Assistente de acusação

No processo, apenas o assistente de acusação pleiteou a condenação do empresário, reforçando que houve, sim, crime de estupro de vulnerável mediante fraude contra a influenciadora digital. Da sentença cabe apelação ao Tribunal de Justiça do Estado (TJSC).

FONTE: Jus Catarina ( Portal da Justiça e do Direito em Santa Catarina).

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